Os direitos da pessoa com deficiência junto ao plano de saúde

A Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas Com Deficiência, que apresenta status constitucional, assegura no art. 25 que “as pessoas com deficiência têm o direito de usufruir o padrão mais elevado possível de saúde, sem discriminação baseada na deficiência”, sendo eminentemente vedada a “discriminação contra pessoas com deficiência na provisão de seguro de saúde e seguro de vida”

A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência) considera pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

Seguindo o que dispõe o Estatuto, toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação, em seu artigo 20 dispõe:

 

Art. 20. As operadoras de planos e seguros privados de saúde são obrigadas a garantir à pessoa com deficiência, no mínimo, todos os serviços e produtos ofertados aos demais clientes.

 A Lei dos planos de saúde – Lei n.º 9.656/98, em seu artigo 14 determina que:

Art. 14.  Em razão da idade do consumidor, ou da condição de pessoa portadora de deficiência, ninguém pode ser impedido de participar de planos privados de assistência à saúde.

Assim, as pessoas com deficiência têm assegurado junto ao plano de saúde:

1 – Direito de adesão sem qualquer impedimento

Nenhuma operadora de saúde poder impedir ou dificultar o ingresso de pessoas com deficiência nos planos de saúde. As operadoras são obrigadas a fornecer todos os serviços contratados pelo cliente em igualdade de condições. É o que prevê o artigo 23 da Lei n.º 13.146/15:

Art. 23. São vedadas todas as formas de discriminação contra a pessoa com deficiência, inclusive por meio de cobrança de valores diferenciados por planos e seguros privados de saúde, em razão de sua condição.

No mesmo sentido, o art. 8º, IV, da Lei 7.853/1989 criminaliza a conduta de recusar, retardar ou dificultar internação ou deixar de prestar assistência médico-hospitalar e ambulatorial à pessoa com deficiência, sendo a pena agravada se a vítima for menor de 18 anos ou se o crime for praticado em atendimento de urgência e emergência.

 2 – Acompanhante ou a Atendente Pessoal

A pessoa com deficiência internada ou em observação tem direito a acompanhante ou a atendente pessoal. É o que prevê o artigo 22 da Lei n.º 13.146/15:

Art. 22. À pessoa com deficiência internada ou em observação é assegurado o direito a acompanhante ou a atendente pessoal, devendo o órgão ou a instituição de saúde proporcionar condições adequadas para sua permanência em tempo integral.

  • 1º Na impossibilidade de permanência do acompanhante ou do atendente pessoal junto à pessoa com deficiência, cabe ao profissional de saúde responsável pelo tratamento justificá-la por escrito.
  • 2º Na ocorrência da impossibilidade prevista no § 1º deste artigo, o órgão ou a instituição de saúde deve adotar as providências cabíveis para suprir a ausência do acompanhante ou do atendente pessoal.

3 – Acessibilidade

É assegurado à pessoa com deficiência o acesso aos serviços de saúde, tanto públicos como privados, e às informações prestadas e recebidas, por meio de recursos de tecnologia assistiva e de todas as formas de comunicação, tais como a Língua Brasileira de Sinais, o Braille, o sistema de sinalização ou de comunicação tátil. (art. 24 da Lei n.º 13.146/15).

Como se vê, a lei veda o atendimento discriminatório, sob pena de multa, e dispõe claramente a igualdade de cobertura e condições para adesão das pessoas com deficiência ao plano de saúde.

Nesse sentido, a pessoa com deficiência adquirida que já contava com um plano de saúde, pode continuar a ser atendido normalmente, podendo em certos casos ampliar a cobertura contratada. Já a pessoa com deficiência congênita pode, desde o nascimento, ser incluso no plano de saúde dos pais.

É considerando os direitos assegurados por lei que se houver indicação médica justificando a necessidade de qualquer tratamento a pessoa com deficiência, o plano não pode negar a cobertura.

Assim, as negativas das operadoras de saúde mais comuns relacionadas as pessoas com deficiência são consideradas abusivas, e são elas:

– negativa de custeio e autorização de terapias multidisciplinares (hidroterapia, equoterapia, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, psicólogos, pedagogos)

– negativa de custeio e autorização de abordagens terapêuticas (método ABA, Denver, PECS,  Therasuit);

– imposição de carência parcial temporária;

– recusa de ingresso por discriminação

Desse modo, em havendo violação aos direitos assegurados a pessoa com deficiência, poderá ser aberta uma reclamação junto a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) que é responsável por regulamentar e fiscalizar as operadoras de saúde.

E, em não sendo frutífera, haverá a necessidade a intervenção e acionamento do judiciário para sanar a abusividade.

Qual entendimento do judiciário?

Em questão relacionadas ao fornecimento e custeio terapias multidisciplinares ou ingresso/manutenção no plano de saúde, o judiciário tem entendimento que:

 

(…)  2. As pessoas com deficiência têm seus direitos protegidos não só pela Constituição Federal, como também pela Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, aprovada pela primeira vez pelo Congresso Nacional com status de emenda constitucional (quórum qualificado previsto no art. 5º, § 3º, da CF/88) e promulgada pelo Decreto Legislativo nº 6.949/09 e pela Lei nº 13.146/2015 (Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência – Estatuto da Pessoa com Deficiência). 3. Com efeito, a edição de leis específicas para assegurar e proteger os direitos dos deficientes decorre especialmente da preocupação do legislador em potencializar a efetivação de princípios consagrados constitucionalmente, como o da dignidade da pessoa humana e o da igualdade, assegurados, respectivamente, nos art. 1º, III, e art. 5º, caput, e da Carta Magna, como também visa proporcionar o direito de inclusão social dessas pessoas. 4. Reunidas todas as exigências para a contratação do plano de saúde, cabe à prestadora do serviço, sabendo que o contratante ou seu dependente possui a referida condição, a cobertura necessária para atendimento multiprofissional, com profissionais capacitados e especializados na melhor e mais avançada técnica para proporcionar o tratamento adequado ao paciente contratado, sob pena de ter que arcar com o reembolso das despesas com profissionais não credenciados. 5. Ademais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que o plano de saúde pode estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de tratamento utilizado, sendo abusiva a negativa de cobertura de procedimento, tratamento, medicamento ou material considerado essencial para sua realização de acordo com o proposto pelo médico. 6. No que concerne ao dever de reembolso, a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS – subscreveu a Resolução Normativa nº. 268, de 1º de setembro de 2011, a qual aduz, em seus arts. 6º e 9º, que na inexistência de prestador de serviço no local de abrangência do contrato, a operadora deve garantir a prestação do serviço por um prestador apto a realizar o devido atendimento, incluindo o transporte do beneficiário até o local onde ocorrerá o atendimento, e, caso haja descumprimento desta garantia, deve o plano de saúde reembolsar integralmente o usuário no prazo de até 30 (trinta) dias, abrangendo os gastos não só com o serviço, mas também com o deslocamento. 7. (…)  (TJ-CE – AI: 06229748120168060000 CE 0622974-81.2016.8.06.0000, Relator: LIRA RAMOS DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 06/06/2018, 3ª Câmara Direito Privado, Data de Publicação: 06/06/2018)

PLANO DE SAÚDE. CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA. TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR. NEGATIVA DE COBERTURA. LIMITAÇÃO AO NÚMERO DE SESSÕES DE TERAPIAS. ILEGALIDADE. Plano de saúde. Criança diagnosticada com hidrocefalia, paralisia cerebral e epilepsia. Terapias multidisciplinares (equoterapia, hidroterapia e estimulação visual). Necessidade. Incidência da Lei nº 13.830/19 que regulamenta a prática de Equoterapia e dispõe no § 1º, do artigo 1º, que “é método de reabilitação que utiliza o cavalo em abordagem interdisciplinar nas áreas de saúde, educação e equitação voltada ao desenvolvimento biopsicossocial da pessoa com deficiência”. Incidência, também, da Lei nº 9.656/98, do CDC e do Estatuto da Criança e Adolescente. Súmulas dessa E. Corte e do C. STJ. Ademais, a alegação de não constar o tratamento nos róis da ANS é irrelevante, porquanto tais róis não podem suplantar a lei, mas apenas torná-la exequível. Sentença mantida. Recurso não provido. (TJ-SP – AC: 10020487320198260510 SP 1002048-73.2019.8.26.0510, Relator: J.B. Paula Lima, Data de Julgamento: 27/04/2021, 10ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 27/04/2021)

Quais documentos necessários para ajuizar uma ação de em caso de violação ao direito das pessoas com deficiência junto ao plano de saúde?

  • Relatório médico detalhado, laudos médicos e exames que justificam a necessidade do tratamento prescrito;
  • Documentos que comprovam a recusa do plano de saúde, como protocolos de ligações, troca de e-mails, cartas, negativa por escrito, entre outros;
  • Carteirinha do plano de saúde, RG e CPF;
  • Cópia do contrato do plano de saúde;
  • Três últimos comprovantes de pagamento de mensalidades.

 

 

@2022

Raylla Percy

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